Gostaria de brindar os amigos com o texto a seguir, publicado na edição de 19/07/2009 do Jornal Zero Hora de Porto Alegre, escrito pelo jornalista Marcelo Rech:
Nos idos de 1977, na antevéspera da abertura política, Pelé levantou contra si um tsunami de ira ao afirmar, durante uma homenagem na Câmara dos Deputados, que os brasileiros não sabiam votar. Logo depois, Pelé corrigiu sua declaração, explicando que o brasileiro deveria votar com mais seriedade, mas era tarde: a oposição ao regime identificou no ídolo dos gramados um inimigo do voto direto em todos os níveis, então um clamor do Brasil democrático. Pelé calou-se, estudantes saíram às ruas para enfrentar cassetetes e gás lacrimogênio, sindicalistas (entre eles Lula) foram presos por fazer greve, intelectuais se uniram aos liberais e arrancaram a anistia, o fim da censura e a legalização de partidos clandestinos.
Em 1979, acreditávamos todos (ok, quase todos os que queriam a abertura) que Pelé era um lambe-coturnos do regime e que eleições livres em todos os níveis libertariam os brasileiros dos grilhões da ignorância democrática, da manipulação política e do estado geral de indigência terceiro-mundista. Ao entrarmos no estado de direito, cruzaríamos o umbral do nirvana político. Eleitos democraticamente, os políticos trabalhariam para e pelo povo. Fiscalizados de perto pelos eleitores, congressistas, vereadores e governantes deixariam no passado de sombras os vestígios da roubalheira e dos favorecimentos.
Trinta anos depois, em meio a um vale-tudo no qual políticos mandam diariamente sinais de banana para eleitores anestesiados, é preciso admitir que Pelé só se equivocou por não ter profetizado que os brasileiros não apenas não sabiam votar, como teriam grande dificuldade de aprendizado. São brasileiros os que elegeram Collor – e o reelegeram para o Senado e, com discreto apoio de Lula, provavelmente vão reentronizá-lo no governo de Alagoas. São brasileiros que, sem dar atenção às evidências, brindam com mandato após mandato renans, barbalhos e sarneys ou que identificam no alojamento na Capital oferecido à tia do vizinho a mais relevante contribuição possível de um político. Mas somos nós, brasileiros de uma elite bem informada e com acesso a plano de saúde, que, depois de quase três décadas sem a desculpa da falta de eleições, não logramos nenhum avanço significativo desde o início do estado de direito e nos mostramos incapazes de demonstrar na prática a beleza e o valor de uma democracia de verdade.
Onde erramos? Arrisco dizer que boa parte da culpa reside na manutenção de duas excrescências do regime militar: o voto obrigatório e o horário eleitoral gratuito. Abdicamos da democracia participativa para conviver mansamente com a democracia compulsória. Querendo ou não querendo, você será obrigado a votar. Querendo ou não querendo, você será compelido a engolir, em todos os meios de comunicação e ao mesmo tempo, o que eles querem que você veja e ouça. É o estado de direito autoritário, uma singularidade brasileira feita sob medida para manter eleitos os eleitos e eleger aqueles que não precisam se esforçar muito para serem reconhecidos.
Acabando-se com o voto obrigatório, os políticos terão não só de nos convencer que são os melhores para o cargo, mas que sua atividade como um todo merece confiança. Eles terão de nos arrebatar com trabalho e desprendimento, e não levar de presente cestas de votos porque “é o mais bonitinho” ou “porque eu tinha de votar em alguém mesmo”. Se não são eliminados, os feudos e os rebanhos sofreriam um duro golpe, como aliás, começa a ocorrer por rebelião social: em certas eleições, 20% dos eleitores já ignoram a obrigatoriedade ou votam nulo.
Acabando-se com o horário eleitoral gratuito obrigatório, zé fini para a moleza de aparecer sem esforço. Os muito bons terão visibilidade durante todo o mandato. O novatos vão se esmerar ainda mais para levar olho no olho sua mensagem e convencer o eleitorado de que merecem um lugar ao sol. Terminam os truques de vídeo e os milhões entregues nas sombras aos marketeiros. Mas não é justo se liquidar simplesmente com a propaganda eleitoral. Sem trucagens e megaproduções, ela deveria ser mantida 24 horas por dia durante os três meses que antecedem a eleição nas TVs Câmara e Senado da vida. Quem quiser conhecer as propostas e os candidatos, assiste aos canais. Aos demais, decreta-se o fim da escravatura democrática. Na prática, aliás, hoje o horário só é obrigatório para as classes mais pobres. Quem tem TV a cabo pode passar a campanha sem topar com o rosto de um candidato. Mais um fato de discriminação para que políticos de segunda linha arregimentem seus rebanhos.
É simples a mudança? Tenha em conta o seguinte. Em qualquer parte do mundo, a mente política reage a dois instintos: em primeiro lugar, o da sobrevivência no mandato e, depois, o da perspectiva de reeleição ou eleição a outro cargo. Tudo o que representar ameaça será repelido pelos instintos. É da natureza humana: ninguém é a favor de nada que ameace sua sobrevivência. É por isso que não houve e nem haverá alteração nas práticas eleitorais. Então, a única forma decente, rápida e indolor de se fazer estas e outras reformas políticas, e finalmente se lançar as bases para a modernidade democrática, é se eleger uma miniconstituinte, paralela ao Congresso, com mandato de seis meses. Mas esta já é uma outra conversa.
sábado, 18 de julho de 2009
domingo, 5 de julho de 2009
Domingo é dia de poesia! XII
Asas de Colibri
(Jurema Chaves)
Minha alma é livre
Como um colibri
Mas se prende a ti,
Minha flor cheirosa,
Meu botão de rosa
A desabrochar num riso
Ah! como eu preciso
Desse jeito meigo
De mulher charmosa.
Minha alma é livre,
Sim, a minha alma é livre
Como é livre o vento,
Este sentimento
É que me enreda os passos
Neste contrapasso
Eu perco o compasso
Por querer-te tanto,
Vou compondo um canto
Num hino que os anjos
Solfejam no espaço,
Mesclando perfumes
Destes teus abraços.
Minha alma é livre,
Sendo aprisionada
Nestas mãos de fada
Voz aveludada,
Teus olhos de anjo
São duas algemas
Leves e perfumadas
Que me roubam tudo
Sem tirar-me nada
Minha alma é livre,
Coração alado
Um gosto de pecado,
Crime sem perdão
Que amor é este
Que prende e liberta
Que me desconcerta
Que insana razão
Que me rouba o sono
Que me põe num trono
E me joga no chão.
Por amor me prendas
Por favor entendas a minha razão,
Se minha alma é livre
É para estar contigo
Ser teu poncho –abrigo
Ser teu coração.
Sou um rico mendigo
Teu melhor amigo
Teu amor antigo
É tu, és o melhor de mim,
A minha verdade
Minha liberdade,
Amor que transcende, além do adeus,
Mas, se tudo isso pode ser pecado
Serei condenado, pagarei o preço pelos erros meus
Para ter a suprema ventura
E, morrer sufocado na ternura,
Da prisão dourada, destes olhos teus!
Minha alma é livre,
Buscando a prisão
Sem prender-se nunca
Como um colibri
Eu já me perdi, tentando encontrar-me,
Soou o alarme e nem percebi,
Tão enternecido, fui seguindo em frente,
Quase inconsciente,
A buscar somente a luz do teu olhar,
Que, por mais que me zangue
Me incendeia o sangue
Põe meu peito em brasas,
Quero que me abraces
Me apertes, me amasses...
Mas, por favor, não quebre,
As minhas asas!
(Jurema Chaves)
Minha alma é livre
Como um colibri
Mas se prende a ti,
Minha flor cheirosa,
Meu botão de rosa
A desabrochar num riso
Ah! como eu preciso
Desse jeito meigo
De mulher charmosa.
Minha alma é livre,
Sim, a minha alma é livre
Como é livre o vento,
Este sentimento
É que me enreda os passos
Neste contrapasso
Eu perco o compasso
Por querer-te tanto,
Vou compondo um canto
Num hino que os anjos
Solfejam no espaço,
Mesclando perfumes
Destes teus abraços.
Minha alma é livre,
Sendo aprisionada
Nestas mãos de fada
Voz aveludada,
Teus olhos de anjo
São duas algemas
Leves e perfumadas
Que me roubam tudo
Sem tirar-me nada
Minha alma é livre,
Coração alado
Um gosto de pecado,
Crime sem perdão
Que amor é este
Que prende e liberta
Que me desconcerta
Que insana razão
Que me rouba o sono
Que me põe num trono
E me joga no chão.
Por amor me prendas
Por favor entendas a minha razão,
Se minha alma é livre
É para estar contigo
Ser teu poncho –abrigo
Ser teu coração.
Sou um rico mendigo
Teu melhor amigo
Teu amor antigo
É tu, és o melhor de mim,
A minha verdade
Minha liberdade,
Amor que transcende, além do adeus,
Mas, se tudo isso pode ser pecado
Serei condenado, pagarei o preço pelos erros meus
Para ter a suprema ventura
E, morrer sufocado na ternura,
Da prisão dourada, destes olhos teus!
Minha alma é livre,
Buscando a prisão
Sem prender-se nunca
Como um colibri
Eu já me perdi, tentando encontrar-me,
Soou o alarme e nem percebi,
Tão enternecido, fui seguindo em frente,
Quase inconsciente,
A buscar somente a luz do teu olhar,
Que, por mais que me zangue
Me incendeia o sangue
Põe meu peito em brasas,
Quero que me abraces
Me apertes, me amasses...
Mas, por favor, não quebre,
As minhas asas!
quinta-feira, 2 de julho de 2009
Novos horizontes
Michael Porter nos presenteou com seus modelos eficazes que contribuíram para a construção do pensamento estratégico sobre mercados já consolidados, a saber: as 5 forças e a cadeia de valor. E quanto aos mercados inexplorados? Onde encontrar princípios que nos ajudem a transpor as fronteiras do atual ambiente competitivo? Kim e Mauborgne aparecem em cena.
Os autores, em A Estratégia do Oceano Azul, nos apresentam à matriz de avaliação de valor. É um instrumento de diagnóstico que contribui para o desenvolvimento de uma estratégia que visa a captar a situação atual de determinado mercado, permitindo à empresa entender como os seus concorrentes estão investindo, quais atributos fazem parte dessa competição e o que os clientes recebem das ofertas disponíveis.
A matriz é composta por dois eixos. No eixo horizontal são lançados os atributos nos quais o setor investe e compete. No eixo vertical é pontuado o nível de oferta de cada um desses atributos, segundo a percepção dos clientes. Com esses dois componentes mapeados surge a curva de valor que representa a performance da empresa de acordo com cada atributo elencado.
Uma vez conhecida a matriz de avaliação, a empresa parte no rumo da reconstrução dos elementos de valor para o seu cliente, no sentido de romper com as estratégias correntes de diferenciação e custo e de criar uma nova curva para si. É nesse ponto que entra em cena o modelo das quatro ações, formado por quatro perguntas-chave as quais possuem a função de rever a lógica estratégica e o modelo já formalizado de negócios do setor.
As perguntas-chave são: quais são os atributos considerados indispensáveis pelo setor que podem ser eliminados? quais os atributos que devem ser reduzidos nos padrões setoriais? quais atributos devem ser elevados para acima dos padrões setoriais? e quais atributos precisam ser criados?
Eliminar atributos que hoje servem de base para a concorrência no setor – primeira pergunta – força a empresa a reagir às mudanças do mercado e repensar sobre aquilo que não lhe gera mais valor ou, até mesmo, destrói valor. Reduzir os padrões significa examinar se a empresa, ao imprimir excesso nos atributos de produtos e serviços oferecidos na guerra para superar a concorrência, não acaba descontrolando a sua estrutura de custos.
Elevar os atributos, por sua vez, ajuda a identificar e a corrigir as limitações que o setor impõe aos clientes. Já a quarta pergunta leva a empresa a descobrir quais novos valores podem ser gerados para os seus clientes, criando novas demandas e permitindo que os preços do setor sejam alterados.
Basicamente, as duas primeiras questões conduzem a empresa a otimizar/revolucionar a sua estrutura de custos em comparação com os seus concorrentes. As duas últimas têm o intuito de aumentar o valor para os clientes e criar novas necessidades.
O que tudo isso quer dizer, enfim, é que ao eliminar e ao criar os seus próprios atributos, as empresas tornam irrelevantes as regras atuais da competição setorial. O modelo das quatro ações, em seu turno, aplicado à matriz de avaliação de valor, propicia que façamos uma nova leitura sobre velhas verdades que nunca foram retrucadas, pintando um novo horizonte de alternativas a ser desbravado sem o desconforto da concorrência – o oceano azul dos negócios.
Até a próxima!
--------
Leia mais:
Kim, W. Chan e Mauborgne, Renée. A estratégia do oceano azul: como criar novos mercados e tornar a concorrência irrelevante. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
Os autores, em A Estratégia do Oceano Azul, nos apresentam à matriz de avaliação de valor. É um instrumento de diagnóstico que contribui para o desenvolvimento de uma estratégia que visa a captar a situação atual de determinado mercado, permitindo à empresa entender como os seus concorrentes estão investindo, quais atributos fazem parte dessa competição e o que os clientes recebem das ofertas disponíveis.
A matriz é composta por dois eixos. No eixo horizontal são lançados os atributos nos quais o setor investe e compete. No eixo vertical é pontuado o nível de oferta de cada um desses atributos, segundo a percepção dos clientes. Com esses dois componentes mapeados surge a curva de valor que representa a performance da empresa de acordo com cada atributo elencado.
Uma vez conhecida a matriz de avaliação, a empresa parte no rumo da reconstrução dos elementos de valor para o seu cliente, no sentido de romper com as estratégias correntes de diferenciação e custo e de criar uma nova curva para si. É nesse ponto que entra em cena o modelo das quatro ações, formado por quatro perguntas-chave as quais possuem a função de rever a lógica estratégica e o modelo já formalizado de negócios do setor.
As perguntas-chave são: quais são os atributos considerados indispensáveis pelo setor que podem ser eliminados? quais os atributos que devem ser reduzidos nos padrões setoriais? quais atributos devem ser elevados para acima dos padrões setoriais? e quais atributos precisam ser criados?
Eliminar atributos que hoje servem de base para a concorrência no setor – primeira pergunta – força a empresa a reagir às mudanças do mercado e repensar sobre aquilo que não lhe gera mais valor ou, até mesmo, destrói valor. Reduzir os padrões significa examinar se a empresa, ao imprimir excesso nos atributos de produtos e serviços oferecidos na guerra para superar a concorrência, não acaba descontrolando a sua estrutura de custos.
Elevar os atributos, por sua vez, ajuda a identificar e a corrigir as limitações que o setor impõe aos clientes. Já a quarta pergunta leva a empresa a descobrir quais novos valores podem ser gerados para os seus clientes, criando novas demandas e permitindo que os preços do setor sejam alterados.
Basicamente, as duas primeiras questões conduzem a empresa a otimizar/revolucionar a sua estrutura de custos em comparação com os seus concorrentes. As duas últimas têm o intuito de aumentar o valor para os clientes e criar novas necessidades.
O que tudo isso quer dizer, enfim, é que ao eliminar e ao criar os seus próprios atributos, as empresas tornam irrelevantes as regras atuais da competição setorial. O modelo das quatro ações, em seu turno, aplicado à matriz de avaliação de valor, propicia que façamos uma nova leitura sobre velhas verdades que nunca foram retrucadas, pintando um novo horizonte de alternativas a ser desbravado sem o desconforto da concorrência – o oceano azul dos negócios.
Até a próxima!
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Leia mais:
Kim, W. Chan e Mauborgne, Renée. A estratégia do oceano azul: como criar novos mercados e tornar a concorrência irrelevante. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
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