quinta-feira, 12 de março de 2009

Relembrando Levitt: miopia no marketing

O artigo original e premiado do professor emérito de Harvard Theodore Levitt*, falecido em 2006, data de 1960, porém, como todo o clássico do marketing, não tem prazo de validade e é sempre um aprendizado valoroso.
Procura elucidar os principais aspectos que levam as empresas e os seus executivos a vislumbrarem ou terem uma idéia de seu negócio de forma pouco ampla, ao mesmo tempo em que deixam de observar a real importância que o cliente possui, como agente transformador de mercado e influenciador direto no crescimento ou declínio de um negócio, centrando as suas atenções sobre o produto e não sobre o mercado, distorcendo e, até mesmo, não aplicando os conceitos essenciais de marketing.
Os principais itens abordados referem-se à falha no tratamento da definição do negócio pela cúpula diretiva da empresa, ao ciclo de auto-engano de expansão abundante e decadência despercebida – baseada em quatro pilares falsos: crescimento garantido pela expansão populacional; falta de produto substituto competitivo; fé na produção em massa e na queda do custo unitário e; cuidado demasiado com a experimentação científica cuidadosamente controlada.
O autor fundamenta seu artigo sobre três setores extremamente representativos no mercado: petrolífero, automotivo ou de transportes e eletrônico.
O primeiro tema tratado é sobre a questão das falhas das cúpulas diretivas, observando que elas não conseguem definir corretamente qual é o real negócio da empresa. Apresenta o exemplo das ferrovias que permitiram que outros meios concorrentes roubassem os seus clientes, simplesmente por entender que o seu negócio se restringia ao ferroviário e não aos transportes. Sua orientação era voltada para o produto e não para o cliente. Da mesma forma, são citados os exemplos das crises enfrentadas por Hollywood em virtude do aparecimento da televisão (negócio cinematográfico, ao invés de entretenimento), dos mercadinhos de esquina, das concessionárias elétricas e das empresas de lavagem à seco que não conseguiram compreender a evolução do mercado e da concorrência e tiveram a triste surpresa de ver seus produtos e serviços jogados na obsolescência.
Outro destaque é o ciclo do auto-engano da expansão abundante e da decadência despercebida. Nesse ponto, o autor enfatiza que, sob seu ponto de vista, não existe setor em crescimento e sim empresas organizadas e operadas para criar e capitalizar oportunidades de crescimento. Afirma que muitos setores que se acham em fase de crescimento, mal sabem que estão, na verdade, caminhando vertiginosamente para a estagnação. Sustenta esse ponto de vista sob quatro condições básicas:
1. O mito da população: é falsa a premissa de que uma população em expansão e com maiores condições financeiras resulta num crescimento de vendas e num tempo de vida infinito para o produto de uma empresa. É falsa porque não está levando em consideração, entre outras coisas, que existe concorrência e que alguém estará sempre trabalhando para substituir tal produto por outro mais eficiente ou mais ao gosto do consumidor.
2. Falta de produto substituto competitivo: é colocado o exemplo do setor petrolífero que acredita não haver substituto competitivo para a gasolina, embora já se encontrem outras formas de energia viáveis para substituí-la. Insiste em definir o seu principal produto em termos estreitos, ou seja, gasolina, não energia, combustível ou transporte. Nega-se a viabilizar qualquer outra forma de combustível que não seja à base do petróleo, quando poderia pensar em algo mais adequado às necessidades do usuário, feito com outras matérias-primas. O que o autor cita é que não existe a garantia contra a obsolescência de um produto e enfatiza que se a própria empresa não planejar e pesquisar para torná-lo obsoleto, uma outra tratará de fazê-lo.
3. Fé na produção em massa: é colocada a questão do esforço que as empresas fazem para produzir mais e reduzir o custo unitário de seus produtos, vislumbrando uma possibilidade de lucros infindáveis – visão de que o lucro reside na produção plena a baixo custo. O que está por trás disso é que a preocupação com as vendas acaba se colocando prioritária com relação às reais necessidades do consumidor, ignorando-se um processo mais sofisticado e complexo que é o marketing. Levitt aborda esse tema exemplificando com o setor automobilístico de Detroit. Detroit nunca se preocupou com as necessidades do consumidor e sim com a sua orientação para o produto, considerando de atenção secundária justamente as áreas em que o cliente se relaciona realmente com a empresa: o ponto de venda e a manutenção.
4. Pesquisa e desenvolvimento: é evidenciado o perigo que existe quando uma empresa é dominada pela possibilidade de lucro sobre a pesquisa e o desenvolvimento técnico, citando como exemplo o setor de eletrônicos, no qual os artigos são sofisticados e complexos e quem está envolvido com a direção da empresa é, normalmente, um cientista ou um engenheiro. Nesse caso, o que a empresa quer fazer é produzir e não satisfazer o seu consumidor, tornando o marketing uma atividade sem importância. Como o consumidor é visto, geralmente, como um inconveniente, a realidade do mercado fica esquecida num canto.
O artigo, enfim, nos alerta para o fato de que a visão curta de negócio e a falta de habilidade para colocar em prática as ações de marketing colocam em risco a sobrevivência da empresa. A falta de preparo e, até mesmo, disposição para ouvir o que o consumidor tem a dizer, levam a empresa a entender que o processo de produção de mercadorias é a razão fundamental de sua existência. Na verdade, o conhecimento das necessidades e dos anseios do consumidor é que deveria guiar esse processo. A partir do que o consumidor deseja, a empresa abre uma porta para a renovação constante e para olhar sempre na direção do futuro. Como diz o texto: a empresa deve pensar em si não como fabricante de produtos, mas como provedora de satisfações de valor criadoras de consumidores, ou seja, a empresa deve realizar coisas para que as pessoas queiram fazer negócios com ela.
* Levitt, Theodore. Harvard Business Review, Rotas do Crescimento, Jul/2004.

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